Malhação
Vesti a regata de volta no corpo suado, não saberia dizer se o cheiro que meu corpo exalava fosse melhor do que o dos outros caras ao meu redor. Mas aquele lugar fechado, com pouca ventilação externa, apenas com o cheiro filtrado do ar condicionado, não tinha o melhor dos aromas. Talvez o perfume vencido de dezenas de desodorantes. Eu podia entender o porquê da ausência de mulheres na ala dos aparelhos de musculação. Nem todas tinham rinite e talvez não estivessem vacinadas contra o cheiro fétido masculino.
Fiquei ali discorrendo com meus músculos sobre aquele lugar, onde os caras paravam para admirar quantos milímetros seus músculos cresceram do dia anterior para aquele momento, tirando selfie no espelho, pensando que talvez eu estivesse melhor servido de companhia feminina numa balada e não enfiado numa academia cheia de machos soltando gases fétidos devido ao excesso de shakes proteicos em seus squizes.
De canto de olho, através do espelho, tive um vislumbre. Durou apenas alguns segundos, mas tempo suficiente para ser tomado pelo pânico súbito de nunca mais contemplar aqueles olhos.
Virei o corpo em direção àquela mulher, mas já em vão. Ela se fora da mesma forma que chegou: de repente. Talvez tenha sido o excesso de butano em minhas fossas nasais que me fizeram ver coisas. Ou esses mesmos gases tenham afugentado a coitada, que devia sofrer de algum caso raro de narinas e pulmões perfeitos, algo muito difícil de encontrar na cidade poluída de São Paulo.
Fosse o que fosse, não pude deixar de lamentar que aquela mulher não estivesse por ali e acabei terminando minha sessão de supino reto e ido em direção aos banheiros.
Já quase dez da noite no mostrador do relógio de pulso. Vesti a camisa branca e a calça social preta, pus os sapatos lustrados, sem me preocupar com detalhes como vestir meias ou abotoar a camisa até o fim. Só pensava em voltar para meu apartamento depois de mais um dia de trabalho no banco. Mas aqueles olhos, esmeraldas e parecendo vindos de uma personagem de anime, não me deixavam em paz.
Caminhei pelo estacionamento do shopping até meu carro preto, novo, mas o mais barato no mercado. Sustentar prestação de apartamento e carro ao mesmo tempo não era fácil para um cara que se formara em administração apenas dois anos antes e que ainda carregava a obrigação do financiamento estudantil. Abri a porta do bagageiro e joguei a mochila ao lado da pasta de executivo, algo que só carregava para fazer charme com as outras caixas do banco. Ali dentro só tinha uma apostila para eu estudar para o próximo concurso público e duas revistas sobre fisiculturismo. Sentei atrás do volante e conferi o cabelo molhado, que não viu pente depois da chuveirada, caindo em pequenas ondas por minha testa. E ao lado da minha cabeça, a visão esmeralda me assombrou. Dei um pulo no banco e ela me fitava.
— Quem é você? O que está fazendo dentro do meu carro?
Meu coração dava saltos mortais dentro do peito. A minha sorte era que ele já se acostumara a puxar ferro, então não sucumbiria diante de um susto.
— Eu não sou uma assombração, não se preocupe. Vi você na academia e decidi dar um oi.
Pude soltar o ar que prendia e fiquei ali observando a mulher mais linda que vira ao longo dos meus vinte e seis anos.
— Você quer beber alguma coisa? Podemos sair para jantar…
— Isso seria ótimo.
Ela pulou para o banco da frente e tive um vislumbre do seu decote. Seus seios possuíam a medida certa, nem pequenos demais e cheios de músculos, nem grandes demais e cheios de silicone. Na medida certa. Minha garganta secou com a possibilidade de tocá-los e levá-los aos lábios, mas não faria isso, pelo menos não ali no meio do estacionamento do shopping.
O perfume dela tomou conta do carro, era atrevido, com um toque de fruta, algo que abriu meu apetite.
— Você está com fome? — perguntei, com medo que ela dissesse não.
Mas ela me sorriu e lambeu os lábios, mordiscando o lábio inferior e tirando o gloss que usava.
— Então vamos alimentá-la, estou faminto.
Ela gargalhou, enquanto saí do estacionamento acelerando, agarrado à expectativa da noite que estava apenas começando.