Resenhando a vida

Uma leitura finalizada diz muito mais sobre mim mesma do que do livro lido. Difícil abandonar uma leitura e, ao começar um livro novo, sempre busco a leitura por causa de alguma situação que me fez abrir espaço para ela. Às vezes, é por conta de demandas do trabalho, como por exemplo, Emília no País da Gramática. Como assim, uma professora de língua portuguesa que nunca leu esse clássico de Monteiro Lobato na íntegra? Então, comprei uma edição nova em folha (mesmo quando já tinha outra em PDF na minha estante virtual) e li. Li com olhar crítico, notando as mudanças da língua, e anotando possibilidades de exercícios de interpretação e análises semântica e sintática (para poder trabalhar com meus alunos do ensino fundamental de anos finais). 
Estar de quarentena me deixou mais obcecada pelas minhas leituras. Montei pilhas de livros físicos novos e encalhados e baixei milhares de livros no Kindle (principalmente, os gratuitos) e comecei minhas leituras. Três ao mesmo tempo, em algumas situações até mais. Saí da minha zona de conforto, incentivada por booktubers com suas leituras coletivas, desde Jules Verne, Virgínia Woolf, dentre outros, e descobri que também sou capaz de gostar dessas leituras. 
E, além disso, descobri que há muito de mim mesma que ainda preciso desvendar no meio dessa pandemia. Fico me perguntando se vou sobreviver a tudo isso ou se o meu mundo, da forma que conheço, será o mesmo quando tudo isso acabar. Tenho vivido um dia de cada vez. No próximo dia 20, completo dois meses sem pisar para fora do meu apartamento, onde minhas andanças se restringem a ida do quarto para o banheiro, do banheiro para a cozinha, da cozinha para a sala e de volta para o quarto, num trajeto circular de dezesseis passos. Vejo o sol em listras que pintam minhas pernas no meio da tarde e espero-o se pôr por entre os prédios e atrás das árvores. Cada dia um dia a mais da rotina.
Vendo o sofrimento de pessoas conhecidas e estando em prisão domiciliar, sofro em silêncio, sem saber o que dizer, sem palavras de consolo, não há o que ser dito para mudar essa realidade...
Orlando me ensinou que posso ser quem quiser, mas acabo presa a sua alienação delirante de ver o mundo passar enquanto escrevo um livro que ninguém irá ler, mas muitos irão me parabenizar por conseguir publicar e eu sei que são palavras atiradas na rede, apenas por dizer. Não há um momento real em que alguém pensará de forma sincera que você fez algo verdadeiramente excepcional. Pois escrever mais de 60 mil palavras não é um feito para qualquer um, muito menos num país onde a maioria é alfabetizado funcional e não tem coragem de começar a ler um livro, muito menos de escrever alguma coisa.
Amo ler e escrever e minha vida gira em torno disso e, quando a quarentena começou, deixando o medo de morrer de lado, fiquei feliz de poder sentar e ler. Mas agora penso que valia a pena ter que dar um jeito de encaixar, no tempo corrido da jornada de trabalho acumulado, um tempo roubado para as leituras.
Você pode não acreditar, mas sinto falta das escolas, dos alunos, dos colegas, da rotina estraguladora, da minha vida.

Postagens mais visitadas deste blog

Resenha O caso da borboleta Atíria

Resenha A Terra dos meninos pelados

Olho grande