Devaneio juvenil
Bom dia! Gente, mais um conto publicado originalmente pela Câmara Brasileira do Jovem escritor. Espero que gostem! 💜
Devaneio Juvenil
Naquele canto escuro do
quarto, escondido das crianças da casa, dorme tranquilo, o sono solto, um lindo
espelho mágico.
Adornado com ondas
douradas e prateadas, de formato oval, esquecido há anos dentro daquele quarto
sombrio, o espelho mágico permanece.
Ana Lúcia tinha apenas
doze anos quando resolveu explorar a velha casa de seu tio Bernardo. Avistou
salões cheios de quinquilharias de todas as partes do mundo, bibliotecas
incríveis, havia pelo menos três: uma com livros de sua terra natal, e duas com
livros estrangeiros. Existia, inclusive, uma lenda entre os empregados de que
estava escondida uma saleta com objetos usados em contos de fadas. Sala esta
que aparecia e desaparecia de acordo com sua própria vontade.
Talvez Ana Lúcia fosse
exatamente quem era aguardada pela pequena sala mágica, pois naquele dia de
verão em que não havia sol, apenas uma chuva constante, resolveu passar pela
centésima vez pelo corredor leste da mansão e lá estava a sala encantada.
Sua porta era bem
larga, em formato de um portal. O seu batente imponente, firme como nenhum
outro visto na casa. Vários pequenos adornos em formato de anjos cobriam-lhe a
superfície. Era dourada e prateada em detalhes de alto relevo.
Ela ficou verdadeiramente
encantada com aquela formosura de porta e decidiu trespassá-la. E se não
estivesse aberta? Esta dúvida martelava sua mente. Decidiu tentar, a sua
curiosidade era mais forte. A porta se abriu com apenas um toque. Entrou pé
ante pé, imaginando o que falaria para seu tio se, por ventura, este se
encontrasse lá dentro.
Nada. Ninguém estava
naquela penumbra, tinham apenas vários utensílios antigos espalhados pelos
cantos. Não era uma sala grande em sua largura. Era alta, com um teto
abobadado, com duas janelas imensas que cobriam os dois lados da sala, porém
cortinas negras as tampavam, impedindo a passagem da luz no aposento.
A menina estava mais
curiosa do que amedrontada. Entrou na sala e encostou a porta bem devagar, tentou
acender as luzes, mas parecia não haver nenhuma. Foi quando observou um brilho
constante que vinha do seu lado direito. No canto, com verdadeiro assombro,
observou o espelho mais diferente e encantador que já havia visto. Aproximou-se
devagar.
De repente ouviu uma
voz rouca, profunda, sinistra vinda de dentro do espelho. Achou que fosse se
assustar, mas ficou apenas surpresa e se lembrou de que provavelmente aquela
sala era a sala das lendas do casarão do tio.
A voz perguntou-lhe
qual era o seu desejo mais profundo e, sem querer, várias imagens se formaram
em sua mente: sapatos de cristal, varinhas mágicas, príncipes encantados e
cavalos alazões.
Sua mente se esvaziou
após um lampejo bem forte. Acordou como que de um sonho. Seu corpo todo doía
como se tivesse caído de um prédio de vinte andares. Seus sentidos foram
tomados pelas sensações mais estranhas. Estava deitada em um local firme,
cercado de cheiros suaves de flores. Uma relva úmida, mas agradável.
Abriu os olhos bem
devagar e percebeu que, pela claridade do sol entremeado pelas copas das
árvores, não estava mais dentro da casa de seu tio. E sim, talvez em um dos
seus domínios.
Levantou-se e notou que
estava em uma pequena campina cheia de flores: margaridas e enormes girassóis.
Um após o outro todos juntos ali em grande harmonia. Os girassóis ao redor e as
margaridas no centro. O sol parecia ter nascido ali naquele pedaço de terra.
Ana estava deslumbrada!
Não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Olhou para as suas roupas e
se espantou ao constatar que não usava mais seus velhos jeans surrados, mas um
lindo vestido de linho azul bebê, comprido até os pés. Procurou por aquele
espelho maravilhoso, contudo não o encontrou. Apenas um brilho que ofuscava
seus olhos, vindo do fim da campina.
Correu até lá. O brilho
vinha, não de um espelho, mas de uma bela cachoeira que balançava seu véu suave
por entre suas pedras. Ao se aproximar, viu uma profusão de animais, desde
coelhos, veados e esquilos, que miravam admirados através da cortina que as
águas da cachoeira formavam.
Curiosa, entrou na água
fria de roupa e tudo. Não era muito funda e caía suave, sem machucar sua pele.
Passou pelos longos cabelos da cachoeira e encontrou aquilo que nunca
imaginara.
Escondido dentro da
caverna, um belo cavaleiro, com sua espada reluzente, dormia tranquilo, tão
sereno. Seus lábios entreabertos a convidavam para um beijo.
Ana Lúcia, com sua
jovem idade, nunca beijara rapaz algum. Pensou em que mal havia de acontecer...
Com sua imprudência juvenil, aproximou seus lábios e o beijou.
E, você, leitor, o que
pensa que aconteceu? Que o jovem moçoilo despertou?
Pois se enganara! O
rapaz se transformou em um dragão marinho de dois metros de altura, saiu de seu
catre e mergulhou a procura de águas mais profundas.
Com o barulho
ensurdecedor das águas, a menina se assustou, fechou os olhos e tapou seus
ouvidos. Silêncio mortal. Batidas ocas em uma porta. Abriu os olhos e notou que
estava em pé, num quarto escuro, sem mobília. A linda porta adornada de
querubins já não existia mais, nem tampouco o impressionante espelho mágico.
Existia apenas um quarto quadrado, embolorado e sem graça.
Saiu do quarto,
desnorteada. Seu tio aguardava impaciente para o jantar. Quanto contou, afoita,
ao tio, o que lhe sucedera, ele apenas disse-lhe que aquilo tudo não passara de
um devaneio de uma pré-adolescente em crise.
Guacira
Maffra